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Síria e a Farsa de Genebra-2

domingo, 26 de janeiro de 2014 |

Tudo Saudável, o menor preço em Produtos Naturais


Mohammad Hassan Deedaur comenta (Facebook, 22/1/2014, 20h):

Não conseguiram mudar o regime à força, com terrorismo, atentados, assassinato e doidos que comem gente. Agora, tentam mudar o regime com essa conferência-farsa, ao mesmo tempo em que distribuem toda a propaganda possível, servindo-se dos fantoches que têm na imprensa-empresa 
(BBC, France24 e o resto da press-tituta, no jornalismo impresso).

No verão, multidões vëm a Montreux, Suíça, para assistir ao festival de jazz. Essa semana, o show é de um bando absolutamente sem swing nem pegada, na conferência (em teoria) seríssima “Genebra-2” sobre a Síria.

Para que serve Genebra-2? Nada tem a ver com ‘paz’. Não gerará acordo internacional que ponha fim à tragédia na Síria. Os horríveis fatos da guerra em campo permanecerão como são, fatos e horríveis; muitos dos criminosos lá estarão reunidos em Montreux. A sociedade civil síria não foi sequer convidada.

E, então, a farsa degenerou logo em lamentável paródia, antes até de começar.



Domingo passado, parecia que o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon decidira pular fora do status de legume, sua marca registrada, ao convidar o Irã para Genebra-2. O convite não durou 24 horas; depois da sempre presente ‘pressão’ por Washington – instigada por aqueles democratas de 200 quilates da Casa de Saud – o convite foi devidamente revogado.

E aí apareceu Ban Ki-moon, feito papagaio do Departamento de Estado dos EUA, segundo o qual Teerã não aceitara os princípios expressos no Comunicado de Genebra-1, que exigia cessação sustentada da violência armada. Diplomatas iranianos exigiram fortemente o direito de discordar e disseram que Teerã compreende que a base das conversações é a plena implementação da conferência anterior, de junho de 2012, mesmo o Irã não tendo participado dela.

Ban Ki-moon convidou até a Santa Sé, além de Austrália, Luxemburgo, México e a República da Coreia, dentre outros, a Montreux; como se esse pessoal tivesse qualquer ideia sobre o que se passa na Síria.

Mas o cúmulo da farsa é que o Irã não pode ir, mas Arábia Saudita e Qatar – que continuam a armar todos os ‘rebeldes’ sírios que encontrem pela frente, de jovens em busca de adrenalina a Takfiris e degoladores apoiados pelo ocidente –, podem ir. E lá estão.

Apresento-lhes a Al-Qaeda ‘do bem’ e a Al-Qaeda ‘do mal’ 

E para que tanta conversa? Washington resolveu que o Irã não pode estar em Montreux, porque apoia Assad. Nada mais simples.

É normal, é a regra, que Washington mande na ONU. Washington dar ordens também a ‘oposição’ síria exilada também é a regra. Todos são fantoches, nessa comédia letal.

Quanto aos ‘especialistas’ ocidentais, andam mais chapados que moscas sobre cadáveres. Parte integrante do novo mito ocidental, segundo o qual a Frente Islâmica patrocinada pela Arábia Saudita – e formada em setembro passado contra o Conselho Militar Supremo patrocinado pelos EUA – seriam todos a al-Qaeda ‘do bem’, temos agora comandantes ‘rebeldes’ a reconhecer todos os dias, para veículos da imprensa-empresa ocidental, que eles todos também são, ora, a  Al-Qaeda.

Dezenas de milhares de jihadis estrangeiros usam agora a rede clandestina de casas protegidas da Al-Qaeda na Turquia –, mas, ora, nem é assim tão grave. A narrativa ensina que ‘nossos novos amigos’ na Frente Islâmica são apenas “muçulmanos salafistas conservadores”. E que mal tem se eles são dados a torturar os inimigos e só pensam em exterminar os xiitas ou os cristãos? Nem é assim tão grave.

Quanto à gangue da Al-Qaeda ‘do mal’ – da Frente Al-Nusra e do grupo Ahrar al-Sham ao ISIL (Islamic State of Iraq and the Levant/Estado Islâmico do Iraque e Levante [Síria]) – estão em plena ação. Afinal, são os que têm experiência/alavancagem em solo. E quando chegar a hora, eles darão mais um nó na corda em volta dos tolos pescoços ocidentais.

Vejam o grupo Ahrar al-Sham. Agora, estão no comando da Frente Islâmica – e em conversações com os norte-americanos. E adivinhem só... Vão a Montreux! A cobertura desse bolo Takfiri é que, na essência, os “interesses” deles estão sendo defendidos por ninguém menos que o secretário de Estado John Kerry, dos EUA. Washington promovendo a al-Qaeda? Ora, ora! Já vimos esse filme!

Fico, ou vou? Should I stay or should I go?[1]

Washington está vendendo a ficção de que estaria ‘liderando’ Genebra-2 para ‘reconstruir’ a Síria. Absoluto nonsense.

Teoricamente – e mesmo isso é muito discutível – o principal interesse do governo Obama no Sudeste Asiático é negociar um complexo acordo com o Irã, que tomará quase todo o ano de 2014.

De fato, toda a farsa está sendo jogada entre Washington e Teerã. A Marinha dos EUA não ‘mudará o regime’ de Assad, nem tão cedo, nem nunca; assim, tudo, em teoria, permanece sobre a mesa.

E todo o resto, a ONU, a Santa Sé, a Casa de Saud são figurantes, ainda que vários atores, da União Europeia à Índia, China e Japão, só pensem, exclusivamente, em, afinal, normalizar tudo com o Irã.

O governo sírio, por sua vez, estará presente em Montreux; concordou com a conferência, há muito tempo. Mas o presidente Assad já disse: não ‘sairá’, como o presidente Obama dos EUA exigiu. Não deixará que a ‘oposição’ patrocinada por estrangeiros tome o poder. E pensa, até, em concorrer às próximas eleições presidenciais.

Assad mordeu diretamente a jugular, quando disse que Genebra-2 deveria se ocupar de sua própria “Guerra ao Terror”. Terror, diga-se de passagem, em vasta medida apoiado pelo ocidente.

Assim sendo, desse ponto de vista, até Washington precisa que Assad fique. Em resumo: os únicos atores realmente interessados em que Assad saia são a Casa de Saud e a Casa de Thani no Qatar. Muitos no ocidente estão agora percebendo que Assad deve ficar para combater ‘os terroristas’.

O notoriamente sinistro embaixador dos EUA na Síria, Robert Ford – que sempre surge onde os EUA estejam desestabilizando alguma coisa –, dessa vez convocou reunião de urgência em Istanbul, apoiado por Turquia e Qatar, e ordenou ‘ida imediata’ de todos a Montreux, tipo ‘porque-eu-estou-mandando’.

Só precisou seguir o dinheiro. Os que não quisessem viajar – dentre outros, muitos desocupados da Coalizão Nacional Síria – ficariam rapidamente na penúria.

É, pois, a voz do ‘patriotismo’! A Coalizão Nacional Síria, sempre furiosamente contra qualquer conversação com Assad, declara, repentinamente, que sim, que vai, apesar de um terço dos seus sinistros e escorregadios membros terem boicotado a reunião de Istanbul.

A parte ainda mais farsesca da farsa é o que Ford possa ter dito aos bravos da Coalizão Nacional Síria – ainda em discussão em todo o Oriente Médio. Se Ford realmente disse que a estratégia de Bandar Bush foi total fracasso (de fato, converteu a Síria em território da Al-Qaeda), então tudo indica que o governo Obama, para todos os propósitos práticos, partilha o mesmo objetivo que o presidente Assad: combater o ‘terror’.

Mas, mesmo assim, Genebra-2 não ‘resolverá’ coisa alguma. Irã e Rússia continuarão a apoiar Damasco. O deserto, terra devastada, que se estende da Síria ao Iraque continuará a ser ocupado pelos jihadistas sectários linha duríssima apoiados por Bandar Bush e pelo Golfo.

A guerra continuará a expandir-se cada vez mais para dentro do Líbano. O governo de Damasco não cairá. A crise de refugiados se agravará. E o ocidente continuará a fazer pose de preocupado com ‘o terror’.

Todo aquele não-jazz em Montreux dará em nada. E, na sequência, um burocrata qualquer convocará uma Genebra-3.

[1] The Clash. Ouve-se em http://letras.mus.br/the-clash/7812/traducao.html , com letra (mal) traduzida, mas ajuda a ler [NTs].

Vitórias de Pirro em Genebra-2 

Raras vezes alguma conferência internacional de paz foi realizada em circunstâncias mais bizarras. Mas a notícia boa é que a ONU e os EUA podem já ter ‘perdido’ tudo que ‘ganharam’ nas 48 horas que antecederam a conferência Genebra-2[1] marcada para começar na 4ª-feira.

Tudo começou com o convite-surpresa que, no fim de semana, o secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon resolveu estender ao Irã, para que participasse do encontro, desconsiderando a objeção levantada pelos EUA, que argumentavam que Teerã não manifestara apoio declarado ao Comunicado de junho-2012 sobre a Síria, documento base para discussão na conferência “2”.

De fato, Ban exerceu prerrogativa que é dele, como ‘convocador’ da conferência Genebra-2 e disse que em várias reuniões e conversas por telefone nos últimos dias e semanas com altos funcionários iranianos recebera deles garantias de que Teerã “compreendeu e apoia a base e o objetivo” do evento a iniciar-se na 4ª-feira, “incluindo o Comunicado de Genebra”.


Aparentemente, Ban encenou um golpe diplomático, porque a simples possibilidade de o Irã participar já transformou o objetivo da conferência de 4ª-feira. À primeira vista, o convite apareceu como pluma nova no chapéu de Ban, para afirmar alguma sua robusta independência na tomada de decisões, apesar da declarada e aberta pressão que os EUA faziam sobre ele para que se mantivesse longe do Irã. Mas a verdade é que é inconcebível, impensável, que diplomatas norte-americanos na ONU não tivessem tido qualquer notícia de que Ban estava mantendo consultas com funcionários do Irã.

Seja como for, no domingo Ban estava no centro do cenário planetário; na 2ª-feira, ‘caiu’, aparentemente sob descomunal pressão dos norte-americanos; e foi, parece, forçado a ‘desconvidar’ o Irã; perdeu as plumas, beijou a lona, mastigou e engoliu o pão que o diabo amassou. Tentou pôr a culpa nos iranianos; disse que a resposta do Irã ao convite absolutamente não foi “consistente com o compromisso [que teriam] assumido antes.” Presumivelmente, Ban chegou a esperar que Teerã aceitaria a pré-condição que os EUA inventaram. Mas, não. O Irã não cedeu. Apesar de ter aceito o convite de Ban, e de ter dado sinais de que participaria da Conferência, já logo no dia seguinte o Irã anunciou que não, que não participaria, absolutamente não, “dada a insistência dos EUA em impor uma pré-condição”. Como o vice-ministro de Relações Exteriores do Irã Hossein Amir-Abdollahian explicou na 3ª-feira, Teerã estaria sempre disposta a participar, mas sem pré-condições. Resposta perfeita, vintage, do Irã.

Enquanto isso, Washington, que ‘perdeu’ quando Ban convidou o Irã, logo no dia seguinte já ‘ganhou’, quando o secretário-geral se desdisse e voltou atrás, encurralado ante as ordens de Washington de que assim fizesse, a menos que Teerã declarasse “integralmente e publicamente” pleno apoio ao mapa do caminho para a Síria traçado em 2012.

A mística da diplomacia é que, vez ou outra, o que foi ganho não passa de vitória de Pirro. A vitória dos EUA foi pírrica? O ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov tinha todos os holofotes a seu favor quando manifestou forte indignação contra o que acontecera. Lavrov disse, na 2ª-feira, que “quarenta países foram convidados para as conversações de Genebra-2. Dentre outros, foram convidados Austrália, México, República da Coreia, África do Sul, Japão, Brasil, Índia e Indonésia e muitos outros.”[2] E se o Irã é excluído da lista, a conferência passa a parecer cerimônia profana.

O Irã, é claro, como a Arábia Saudita[3] e os estados do Golfo, a Turquia, o Egito e o Iraque, é um dos países interessados em resolver a situação sem mais danos à estabilidade dessa importante região do mundo”.

Claramente, a participação do Irã teria transformado fenomenalmente o ABC da conferência Genebra-2. Mas naquele momento Washington mantinha um olho na Coalizão Nacional Síria, ao exigir que Ban retirasse o convite, porque as gangues reunidas na oposição síria ameaçavam abandonar a conferência de Genebra-2, usando como álibi a participação do Irã. Washington fizera esforços hercúleos, em semanas recentes, para puxar a CNS para bordo. Mas o governo Obama sem dúvida foi também sensível às dores da Arábia Saudita quanto à participação do Irã em Genebra-2.

O governo Obama tem cuidado para manter a questão do engajamento EUA-Irã na questão nuclear, separada das discussões sobre a lista de convidados para Genebra-2. Obama até saudou, na 2ª-feira, a suspensão, pelos iranianos, no final de semana, do enriquecimento de urânio de alto nível; disse que oferecia “oportunidades sem precedentes”. Poucas horas depois de os cientistas iranianos cortarem as linhas de abastecimento das centrífugas na usina de Natanz e no sítio subterrâneo em Fordow próximo de Teerã, na presença de inspetores da AIEA, e a União Europeia já anunciava movimentos para levantar sanções contra o Irã. Em resumo, como disse o presidente da organização de energia atômica do Irã, Ali Akbar Salehi, “o iceberg das sanções contra o Irã está degelando.”

Com o avanço do verão e o aumento do degelo do iceberg das sanções, Teerã só terá a ganhar. Não surpreende que Teerã não tenha convertido a estranha atitude de Ban e o ‘desconvite’, em grande questão. Mais uma vez, Teerã certamente avalia que, gostem os EUA ou não, o Irã tem papel crucial a desempenhar em qualquer paz para a Síria; e que os EUA terão de engolir o Irã, gostem ou não gostem.[4]

E Washington? Dá-se conta de que o Irã é ator chave na cancha síria? É claro que sim. Mesmo assim, procurará tratar o processo de Genebra-2 diretamente com a Rússia, como seu interlocutor principal nesse momento, em vez de ter de encarar ‘Rússia + Irã’. Dito de outro modo, os EUA tentam evitar qualquer correlação que se crie entre o processo de Genebra-2 e o engajamento do governo Obama com o Irã como tal (onde tampouco querem ver envolvido qualquer terceiro ator.) Os dois processos devem andar por trilhos diferentes. Equivale a dizer que o engajamento com Rússia e Irã deve ser seletivo, deve ser como o governo Obama preferir, para que a diplomacia de Washington funcione como se espera que funcione. Verdade é que o sempre crescente entendimento estratégico entre russos e iranianos impacta todo o cálculo estratégico dos EUA. Mas mesmo assim, há aí mais um problema que nasce das dificuldades de os EUA terem de lidar com várias questões ao mesmo tempo, com o Irã.

E se Teerã esperava que sua atitude ‘mais cooperativa’ e ‘mais promissora’ na questão nuclear até agora geraria benefícios para o Irã em outras questões (como na questão síria, no Afeganistão,[5] no Iraque,[6] etc.) – ou vice versa – nada disso está acontecendo, pelo menos ainda não.

Um “alto funcionário dos EUA”, não identificado, foi vastamente citado e repetido na imprensa-empresa norte-americana na 2ª-feira, sempre insistindo que as negociações sobre a Síria e sobre o programa nuclear do Irã são questões separadas, e que Washington ainda tem preocupações quanto ao apoio do Irã ao terrorismo e seus “esforços para desestabilizar o Líbano, o Bahrain e outros países na região.”

Assim sendo, como está o ‘placar’, no momento em que, afinal, começa Genebra-2? Paradoxalmente, agora que os EUA ‘venceram’ no primeiro movimento para manter afastado o Irã, crescem as pressões para que os EUA ‘mostrem resultados’ no processo de paz que começa a tentar decolar. Genebra-2 absolutamente não pode fracassar, assim, sem mais nem menos.

O fracasso tampouco fará aumentar o prestígio da ONU. É verdade que o CNS conseguiu manter o Irã ao largo, mas não pode acalentar esperanças de que ditará as regras sempre – especialmente se estiver sentado frente a frente, com a delegação síria do outro lado da mesa.

Considerado o público norte-americano e a opinião pública doméstica nos EUA, Obama tampouco pode fracassar completamente na conferência de 4ª-feira, sobretudo porque sua política para a Síria enfrenta fogo cerrado. É indispensável salvar alguma coisa.

Tudo parece sugerir que a Rússia ‘venceu’ a batalha em que está empenhada: manter vivo um – algum – processo de paz para a Síria.

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[1]  21/1/2014, “Quem pilota o carro rumo a Genebra-2”, Wayne Madsen, Strategic Culture, trad. em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/01/quem-pilota-o-carro-rumo-genebra-2.html

[2] Lavrov, na 2ª-feira, em entrevista que se vê e ouve (com tradução para o inglês), em http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=sl4mMsX1Ggk

[3] http://www.strategic-culture.org/news/2014/01/20/geneva-2-keeping-iran-away-matches-us-saudi-interests.html

[4] http://www.strategic-culture.org/news/2014/01/15/geneva-ii-washington-plan-b-for-regime-change-in-syria.html

[5] http://www.strategic-culture.org/news/2013/12/21/the-colonial-agreement-between-afghanistan-and-the-us.html


[6] http://www.strategic-culture.org/news/2013/12/21/the-colonial-agreement-between-afghanistan-and-the-us.html

Síria: Confusão na Conferência Genebra-2 

Ainda não se conhece a história toda por trás disso, mas parece que o secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon criou colhões repentinamente e, agora, os EUA tentam novamente capá-los.

Ban Ki-Moon convidou, parece que contra a vontade dos EUA, o Irã, para participar das conversas de Genebra-2 sobre a Síria.
Decidi distribuir alguns convites adicionais para a reunião de um dia em Montreux. São eles: Austrália, Bahrain, Bélgica, Grécia, a Santa Sé, Luxemburgo, México, Países Baixos, República da Coreia e Irã. Acredito que a presença internacional expandida naquele dia será mostra importante e útil de solidariedade antes do duro trabalho que o governo sírio e delegações da oposição iniciarão dois dias depois em Genebra.
Como já disse repetidas vezes, creio fortemente que o Irã tem de ser parte da solução da crise síria.
Falei longamente nos últimos com o ministro de Relações Exteriores do Irã Sr. Javad Zarif. Ele assegurou-me que, como todos os demais países convidados para o dia da abertura das discussões em Montreux, o Irã compreende que a base das conversações é a plena implementação do Comunicado de Genebra de 30/6/2012, inclusive do Plano de Ação.
O ministro Zarif e eu concordamos que a meta das negociações é estabelecer, por consentimento mútuo, um corpo provisório de governo de transição, com plenos poderes executivos. Foi nessa base que o ministro Zarif prometeu que o Irã desempenhará papel positivo e construtivo em Montreux.
Assim, como anfitrião e organizador da Conferência, decidi enviar um convite para que o Irã participe.”[1]

Não há praticamente coisa alguma que se possa dizer contra o Irã participar da Conferência. Se até México e Luxemburgo foram convidados (e para quê?!), o Irã, muito mais envolvido no conflito, evidentemente merece ter lugar à mesa. É até necessário que lá esteja, porque qualquer acordo que saia de Genebra-2 exige a concordância do Irã (sem isso, o Irã fica livre para sabotar qualquer acordo, caso queira fazê-lo).

Mas o Departamento de Estado dos EUA quer agora detonar a conferência, na qual tem pouco a ganhar, e inventou de impor condições, as mesmas que Ban Ki-Moon, com sua escolha cuidadosa das palavras, tentou deixar de fora:

Os EUA veem o convite do secretário-geral da ONU ao Irã, para que participe da próxima conferência de Genebra como condicionado a uma declaração do Irã de que explícita e publicamente apoie a plena implementação do Comunicado de Genebra, inclusive a criação de um corpo de governo transitório, constituído por consentimento mútuo com plenas autoridades executivas. É algo que o Irã jamais fez publicamente e algo que nós há muito tempo dizemos claramente que é indispensável.”[2]

O ministro de Relações Exteriores do Irã respondeu que, uma vez que o Irã não participou da conferência Genebra-1, não se pode pressupor nem esperar que o Irã aceite todos os resultados daquele encontro.[3]

Sob pesada pressão dos EUA, os estrangeiros patrocinados por estrangeiros que são a oposição Síria no exílio concordaram,[4] com menos da metade dos ‘membros’ votando sim, com comparecer a Genebra. Agora, encontraram uma razão para voltar atrás; e lançaram um ultimato a Ban Ki-Moon, para que ‘desconvidasse’ o Irã, ou a ‘oposição’ se retiraria da conferência. Ban Ki-Moon está exposto demais. Não é admissível que deixe um bando de doidos que nada são ou representam, ditar a política da ONU. Ignorará a tal ‘oposição’. Caberá aos EUA assumir a ‘oposição’ em Genebra.

Apesar de o governo sírio ter concordado há muito tempo com estar presente em Genebra, o presidente Assad, em entrevista publicada hoje,[5] deixou novamente claro que não renunciará nem deixará que a ‘oposição’ financiada por estrangeiros tome conta da Síria:

O presidente Bashar al-Assad da Síria disse que há “significativa” probabilidade de que concorra a novo mandato e descartou qualquer tipo de partilha do poder com a oposição que tenta derrubá-lo, em entrevista exclusiva à Associated France Press, antes do início das conversações de Genebra.

Falando no domingo, do palácio presidencial em Damasco, Assad disse que entende que a guerra síria prosseguirá.

Disse que as conversações previstas para começar na 4ª-feira em Montreux, Suíça, devem focar-se no que chamou de sua ‘guerra contra o terrorismo’.”

Foco contra o terrorismo é agora também o objetivo dos governos ‘ocidentais’ que tentaram derrubar Assad. A Síria é hoje um campo de treinamento para  vários grupos e subgrupos que, mais dia menos dia, voltarão aos seus países de origem, e criarão problemas.[6]

Até os EUA precisam que Assad permaneça no governo da Síria.[7]

Dois carros-bomba explodiram hoje num posto de fronteira entre Síria e Turquia, o último ainda não oficialmente controlado pelo grupo ISIS ligado à al-Qaeda. Os ataques obrigam os turcos a não esquecer que eles também enfrentam problema gigante.[8] Mais uma descoberta de armas contrabandeadas[9] por funcionários da inteligência turca para jihadistas faz aumentar a pressão sobre Erdogan, para que encontre saída rápida para aquela situação.

Assim sendo, todos, exceto talvez o Qatar e a Arábia Saudita, estão à procura de algum modo para deixar Assad no governo da Síria, pelo menos por enquanto, para que expulse da Síria os terroristas.

Mas o ataque dos EUA contra a conferência de Genebra-2, por causa da participação do Irã, torna ainda mais difícil para quem está de fora ter qualquer influência sobre o que se passa na Síria.

As lutas internas que acontecem entre vários grupos extremistas dentro da Síria ajudou o governo sírio a obter considerável avanço militar em campo, em Damasco e arredores[10] e em Aleppo.

Se Genebra-2 não acontecer, ou se fracassar, quem menos perde é o governo do presidente Assad.


[1] 19/1/2014, http://www.un.org/sg/offthecuff/index.asp?nid=3251

[2] 19/1/2014, http://m.state.gov/md220043.htm

[3] 30/6/2012 (texto do Comunicado final de “Genebra-1”) (ing.), http://www.un.org/News/dh/infocus/Syria/FinalCommuniqueActionGroupforSyria.pdf

[4] 18/1/2014, McClartchy, EUA, http://www.mcclatchydc.com/2014/01/18/215015/divided-syrian-opposition-agrees.html

[5] 21/1/2014, AFP, entrevista de Assad, em Damasco, dia 19/1/2014,  https://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5i8dCOYdukO6x1B9DEE07mFAWg9_A?docId=204db838-90ac-4881-903f-bca04f68b71f&hl=en

[6] 19/1/2014, Telegraph, UK, http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/middleeast/syria/10582945/Al-Qaeda-training-British-and-European-jihadists-in-Syria-to-set-up-terror-cells-at-home.html

[7] 20/1/2014, Boston Globe, EUA, http://www.bostonglobe.com/news/world/2014/01/20/rebels-joining-syrian-talks-but-assad-won-depart-soon/X8AjHSy2BN5PqImslILBHP/story.html

[8] 20/1/2014, Hurriyet Daily, Turquia, http://www.hurriyetdailynews.com/ten-killed-by-twin-bombs-at-syria-turkey-border-post.aspx?pageID=238&nID=61324&NewsCatID=352

[9] 20/1/2014, Hurriyet Daily, Turquia, http://www.hurriyetdailynews.com/turkeys-akp-angered-over-breach-of-authority-in-search-of-intel-trucks-near-syria.aspx?pageID=238&nID=61279&NewsCatID=338

[10] 19/1/2014, Hurriyet Daily, Turquia, http://www.hurriyetdailynews.com/turkeys-akp-angered-over-breach-of-authority-in-search-of-intel-trucks-near-syria.aspx?pageID=238&nID=61279&NewsCatID=338

Traduzido por Vila Vudu

Fontes:
- RT: Syria and the Geneva 2 charade
- Strategic Culture: Pyrrhic Victories over Geneva 2 Conference
- Moon of Alabama: Syria: The Geneva II Conference Trouble

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