Em numerosos posts deste blog temos documentado e comentado a existência de um fundo panteísta e evolucionista que crepita dissimuladamente no ecologismo radical.
Infelizmente, ela irrompeu num texto de grande repercussão mundial.
Esse texto que se apresenta como uma encíclica embora não pretenda sê-lo e virtualmente ignore o nome de Jesus Cristo é a Laudato Si’.
Também em numerosos posts publicamos autorizados comentários sobre a ausência de fundamentos científicos sólidos e a consonância ideológica desse quilométrico escrito com a teologia da libertação, na sua versão mais atualizada.
A Laudato Si’ versou sobre matéria para a qual – no parecer altamente autorizado do Cardeal Pell – a Igreja Católica não recebeu mandato de Jesus Cristo para pregar.
À luz dessa afirmação, a Laudato Si’ assume o caráter de opinião de um doutor privado falando a título pessoal.
Entretanto, a projeção do show “Fiat Lux” sobre a basílica de São Pedro que pretende ilustrar essa encíclica, estarreceu a um número incontável de romanos, civis e eclesiásticos, que amam entranhadamente o templo máximo do catolicismo.
O show aprovado por autoridades vaticanas e financiado pelo Banco Mundial foi apresentado como uma forma de pressionar a COP21 nesses dias reunida em Paris para tentar aprovar uma governança mundial radical.
No show o ambientalismo mais radical se exprimiu com imagens e sons que revelam essa religiosidade panteísta que propugna um regime anarco-tribalista para a humanidade.
Até admiradores do pontificado atual, como o vaticanista Andrea Tornielli do jornal “La Stampa”, escreveram que se deles dependesse o enviesado show não deveria ter sido projetado de tal maneira desvenda pressupostos para os quais o público comum não estaria preparado.
A continuação oferecemos um comentário do catedrático de História Roberto de Mattei, autor de inúmeros livros e ganhador de alguns dos mais prestigiosos prêmios acadêmicos da Itália.
Ele descreve e comenta com equilíbrio, respeito e competência o revelador espetáculo exibido nessa noite de 8 de dezembro no Vaticano, sob a bandeira da ecologia.
SÃO PEDRO: uma basílica ultrajada
A imagem que ficará associada à abertura do Jubileu extraordinário da Misericórdia não é a cerimônia antitriunfalista celebrada pelo Papa Francisco na manhã de 8 de dezembro, mas o retumbante espetáculo Fiat lux: Illuminating Our Common Home, que concluiu a referida jornada, inundando de sons e de luzes a fachada e a cúpula de São Pedro.
Ao longo do show, patrocinado pelo Grupo do Banco Mundial, imagens de leões, tigres e leopardos de proporções gigantescas se projetavam sobre a fachada de São Pedro, que se eleva precisamente sobre as ruínas do circo de Nero, onde as feras devoravam os cristãos.
Graças ao jogo de luzes, a basílica dava a impressão de estar de cabeça para baixo, de dissolver-se e submergir-se. Sobre a fachada apareciam peixes-palhaço e tartarugas marinhas, quase evocando a liquefação das estruturas da Igreja, privada de qualquer elemento de solidez.
Uma enorme coruja e estranhos animais voadores sobrevoavam em torno da cúpula, enquanto monges budistas caminhando pareciam indicar uma via de salvação alternativa ao Cristianismo. Nenhum símbolo religioso, nenhuma referência ao Cristianismo; a Igreja cedia lugar à natureza soberana.
Andrea Tornielli escreveu que não é preciso escandalizar-se porque, como documenta o historiador da arte Sandro Barbagallo em seu livro Gli animali nell’arte religiosa. La Basilica di San Pietro (Libreria Editrice Vaticana, 2008), foram muitos os artistas que no decurso dos séculos representaram uma luxuriante fauna em torno da sepultura de Pedro.
Mas se a Basílica de São Pedro é um “zoo sagrado”, como a define com irreverência o autor dessa obra, não é porque os animais ali representados estejam recluídos num recinto sagrado, mas porque o significado que a arte atribuiu àqueles animais é sagrado, isto é, ordenado a um fim transcendente.
Com efeito, no Cristianismo os animais não são divinizados, mas valorizados em função do fim para o qual foram criados por Deus: o serviço do homem.
Diz o Salmista: “Deste-lhe o mando sobre as obras das tuas mãos, sujeitaste todas as coisas debaixo de seus pés: Todas as ovelhas e todos os bois e, além destes, os outros animais do campo” (Ps 8, 7-9).
O homem foi posto por Deus como vértice e rei da criação, e tudo deve ser ordenado em função dele, para que, por sua vez, ele ordene tudo a Deus como representante do universo (Gn 1, 26-27).
Deus é o fim último do universo, mas o fim imediato do universo físico é o homem. “De certo modo, nós somos o fim de todas as coisas”, afirma Santo Tomás (In II Sent., d. 1, q. 2, a. 4, sed contra), porque “Deus fez todas as coisas para o homem” (Super Symb. Apostolorum, art. 1).
Por outro lado, a simbologia cristã atribui aos animais um significado emblemático. Não preocupa ao Cristianismo principalmente a extinção dos animais ou o seu bem-estar, mas o significado último e profundo de sua presença.
O leão simboliza a força e o cordeiro a benignidade, para nos lembrar a existência de virtudes e perfeições diversas, que só Deus possui por inteiro.
Na Terra, uma gama prodigiosa de seres criados, da matéria inorgânica até o homem, possui uma essência e uma perfeição íntima, que se expressa mediante a linguagem dos símbolos.
O ecologismo apresenta-se como uma visão do mundo que transtorna essa escala hierárquica, eliminando Deus e destronando o homem.
Este último é posto em pé de absoluta igualdade com a natureza, numa relação de interdependência não só com os animais, mas também com os componentes inanimados do ambiente que o circunda: montanhas, rios, mares, paisagens, cadeias alimentares, ecossistemas. O pressuposto dessa cosmovisão é a dissolução de toda linha divisória entre o homem e o mundo.
A Terra forma com a sua biosfera uma espécie de entidade cósmica geoecológica unitária. Ela se torna algo mais que uma “casa comum”: representa uma divindade.
Há cinquenta anos, quando se encerrou o Concílio Vaticano II, o tema dominante naquela quadra histórica era um certo “culto ao homem”, contido na fórmula “humanismo integral” de Jacques Maritain.
O livro do filósofo francês, com esse título, é de 1936, mas sua maior influência foi sobretudo quando um leitor entusiasta, Giovanni Battista Montini, eleito Papa com o nome de Paulo VI, quis fazer dele a bússola de seu pontificado.
Na homilia da Missa de 7 de dezembro de 1965, Paulo VI recordou que no Vaticano II se produziu o encontro entre “o culto de Deus que quis ser homem” e “a religião — porque o é — que é o culto do homem que quer ser Deus”.
Cinquenta anos depois, assistimos à passagem do humanismo integral à ecologia integral; da Carta internacional dos direitos do homem à dos direitos da natureza. No século XVI, o humanismo havia recusado a civilização cristã medieval em nome do antropocentrismo.
A tentativa de construir a Cidade do Homem sobre as ruínas da Cidade de Deus fracassou tragicamente no século XX, e baldas foram as tentativas de cristianizar o antropocentrismo sob o nome de humanismo integral.
A religião do homem é substituída pela da Terra: o antropocentrismo, criticado por seus “desvios”, é substituído por uma nova visão ecocêntrica.
A Ideologia de Gênero, que dissolve toda identidade e toda essência, insere-se nessa perspectiva panteísta e igualitária.
É um conceito radicalmente evolucionista, que coincide em grande medida com o de Teilhard de Chardin. Deus é a “autoconsciência” do universo que, evoluindo, torna-se consciente de sua evolução.
Não é casual a citação de Teilhard no parágrafo 83 da Laudato sì, encíclica do Papa Francesco na qual filósofos como Enrico Maria Radaelli e Arnaldo Xavier da Silveira salientaram pontos em desacordo com a Tradição Católica.
E o espetáculo Fiat Lux foi apresentado como um “manifesto ecologista” que pretende traduzir em imagens a encíclica Laudato sì.
Antonio Socci o definiu no jornal “Libero” como “uma encenação gnóstica e neopagã com uma inequívoca mensagem ideológica anticristã”, observando que “em São Pedro, na festa da Imaculada Conceição, em vez de celebrar a Mãe de Deus, preferiram a celebração da Mãe Terra, para propagar a ideologia dominante, a da ‘religião do clima e da ecologia’, neopagã e neomalthusiana, apoiada pelas potências do mundo. É uma profanação espiritual (porque aquele lugar — lembremo-nos — é um lugar de martírio cristão)”.
Por sua vez, escreveu Alessandro Gnochi em “Riscossa Cristiana”: “Portanto, não foi o ISIS que profanou o coração da Cristandade, nem foram os extremistas do credo laico os que danificaram o credo católico, nem os artistas blasfemos e coprolálicos os que contaminaram a fé de tantos cristãos.
Não era preciso perquisição ou detectador de metal para impedir o ingresso dos vândalos na cidadela de Deus: eles estavam no interior das muralhas e já tinham acionado a sua bomba multicolor de transmissão via satélite no calor da sala de controle.”
Os fotógrafos, os desenhistas gráficos e os publicitários que realizaram o Fiat Lux sabem o que representa para os católicos a Basílica de São Pedro, imagem material do Corpo Místico de Cristo que é a Igreja.
Os jogos de luz que iluminaram a Basílica tinham uma meta simbólica, antitética àquela expressa por todas as luzes, lâmpadas e fogos que transmitiram ao longo dos séculos o significado da luz divina. Esta luz estava ausente no dia 8 de dezembro. Entre as imagens e luzes projetadas na Basílica, faltavam as de Nosso Senhor e da Imaculada Conceição, cuja festa se celebrava.
São Pedro foi imersa na falsa luz trazida pelo anjo rebelde, Lúcifer, príncipe deste mundo e rei das trevas.
A palavra “luz divina” não é apenas uma metáfora, mas uma realidade, como realidade são as trevas que envolvem hoje o mundo. E nesta vigília de Natal a humanidade aguarda o momento em que a noite se iluminará como o dia, “nox sicut dies illuminabitur” (Salmo 11), quando se cumprirão as promessas feitas pela Imaculada em Fátima.
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