As empresas Google Inc., Facebook Inc. e outras companhias norte-americanas de tecnologia entraram em modo defensivo, quando começou a ser divulgado o material de Edward Snowden sobre a vigilância, pelo governo dos EUA, no tráfego de Internet. Fora dos EUA, alguns governos e algumas empresas viram aí uma oportunidade.
Três dos maiores provedores de e-mail da Alemanha, inclusive a semiestatal Deutsche Telekom rapidamente se organizaram para oferecer um novo serviço, Email Made in Germany. As empresas prometem que, se os servidores alemães passarem a encriptar as mensagens, em estrito respeito às leis alemãs, as autoridades norte-americanas não conseguirão, com a mesma facilidade de antes, invadir a privacidade dos usuários. Mais de 100 mil usuários alemães já contrataram esse serviço, desde que passou a ser oferecido, em agosto.
Fora dos EUA, vários governos já cuidam de fazer aprovar novas leis, decorrentes das revelações feitas por Edward Snowden.
“Podemos dizer que protegemos mensagens de correio eletrônico conforme as leis alemãs” – diz Jorg Fries-Lammers, porta-voz de uma das empresas alemãs, a 1&1 Internet AG. – “Não há dúvidas de que temos programa campeão de vendas.”
A Agência de Segurança Nacional dos EUA reconheceu que recolhe dados de mensagens de e-mails sobre norte-americanos, através das empresas de telefonia e prestadoras de serviços de internet. Empresas do Vale do Silício apressaram-se a esclarecer que não fornecem acesso total aos dados dos usuários, mas que estão impedidas de oferecer maiores detalhes.
Envolvidos e estimulados pela controvérsia, vários países já se mobilizam para usar leis de proteção à privacidade como vantagem competitiva – um meio para estimular empresas locais, que há muito tempo lutam em condições de desigualdade contra as empresas Google, Microsoft Corp. e outros tech-gigantes norte-americanos.
“Os países estão competindo para ser as Ilhas Caimã da privacidade de dados” – diz Daniel Castro, analista sênior do instituto Information Technology and Innovation Foundation, um think-tank não partidário, com sede em Washington, D.C., mantido por doações da indústria de tecnologia.
Embora a criação dessas ilhas de privacidade possa ser boa alavanca de marketing, as iniciativas enfrentam algumas dificuldades. Leis que exijam que os dados sejam armazenados nos respectivos países podem servir de poderoso estímulo para as empresas provedoras locais, mas também podem fazer subir os preços para os usuários.
E criar fronteiras domésticas para os serviços online colide contra uma dura realidade.
“É medida que ignora, basicamente, a totalidade da Internet” – diz Ronaldo Lemos, diretor do Instituto Technology & Society, think-tank com sede no Rio de Janeiro. “Esses dados têm de circular. São mandados para Miami, para a Europa. Os dados não ficam parados.”
Mesmo assim, governos europeus começam a falar novamente sobre a necessidade de uma “euro nuvem”, na qual os dados dos usuários possam sem partilhados dentro da Europa, mas não para fora da região. O Brasil trabalha com rapidez para fazer votar uma lei, até há poucos dias deixada de lado, e que exige que dados sobre brasileiros sejam armazenados em servidores dentro do país. E a Índia planeja proibir que empregados do estado e do governo usem serviços de e-mail das empresas Google e Yahoo.
As empresas norte-americanas assistem a essa movimentação com ansiedade.
“Temos, mesmo, de estar muito nervosos, se vários países começarem a impor exigências caras às empresas, como condição para prestarmos serviços aos cidadãos daqueles países” – diz Sheryl Sandberg, Operadora Chefe da empresa Facebook. “Significa fragmentar a Internet e criar ameaças para as oportunidades econômicas e sociais que a Internet cria.”
A empresa Google disse que não comentaria o assunto; e a empresa Yahoo não respondeu aos nossos pedidos de entrevista.
Ainda é prematuro falar de alguma grande tendência em formação. Mas a Fundação Information Technology and Innovation estima que os desdobramentos das revelações sobre a espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA possam custar ao Vale do Silício a perda de até $35 bilhões anuais dos lucros anuais, a maior parte dos quais corresponderiam a negócios perdidos em outros países. Pesquisa feita esse verão pela Cloud Security Alliance, grupo da indústria, concluiu que 56% de usuários não norte-americanos declararam que a preocupação com a segurança tornava menos provável que viessem a usar serviços de nuvem com base nos EUA. 10% declararam que já haviam cancelado pelo menos um contrato de serviços.
“Conversamos com nossos agentes de vendas, que estão em contato diário com os usuários, e, sim, é possível que a confiança dos usuários tenha sido consideravelmente abalada em todo o mundo” – diz John Frank, vice-conselheiro geral na Microsoft.
A verdade é que as empresas norte-americanas enfrentarão dificuldades para reparar qualquer dano, sobretudo porque ainda não se sabe a extensão de todas as atividades da Agência de Segurança Nacional, e outras nações já estão criticando os EUA.
Na 3ª-feira, a presidenta Dilma Rousseff do Brasil, em discurso na ONU, denunciou a espionagem norte-americana contra seu país. Na semana anterior, ela já cancelara uma visita oficial a Washington.
A vice-presidenta da Comissão Europeia Neelie Kroes, que supervisiona o portfólio digital da União Europeia, também está encorajando as empresas do bloco a investir na proteção da privacidade. “A privacidade não é apenas direito fundamental” – ela disse na Estônia, nesse verão. – “Pode ser também uma vantagem competitiva.”
Para as empresas alemãs pequenas, que concorrem contra grandes empresas – como as gigantes Symantec Corp. eAmazon.com Inc., provedoras de serviços de nuvem –, as revelações sobre a espionagem norte-americana “são presente caído do céu”, diz Oliver Dehning, diretor executivo da empresa AntispameuropeGmbH, que vende programas de proteção anti-spam. “É uma oportunidade para reagir e começar a proteger nosso mercado nacional.”
Dehning converteu as revelações de Snowden em campanha de marketing, tuitando sobre o noticiário, e em conferências e palestras para a indústria, em que indica como os alemães podem proteger-se contra espionagem.
As empresas Symantec e Amazon recusaram-se a responder nossas perguntas, quando preparávamos esse artigo.
Mas algumas das promessas sobre ilhas seguras de dados podem ser mais difíceis de cumprir, que de prometer.
Muitas das novas leis propõem que as informações sobre cidadãos sejam armazenadas nos respectivos países, mas esquecem que os dados podem ter de ser transferidos também para outros países.
E leis que exijam hospedagem doméstica podem aumentar os preços da computação. Os hospedeiros locais enfrentarão dificuldades concorrenciais na competição com a economia de escala que beneficia as gigantes norte-americanas, diz Jim Reavis, presidente da Cloud Security Alliance. Além do fato de que pode ser menos caro usar um centro de dados em outro país, que construir um centro doméstico.
Por outro lado, a computação por país também pode gerar preocupações com a privacidade. Alguns países – o Brasil, por exemplo – não protege a privacidade dos dados de internet dos cidadãos. Implica que os usuários não estarão protegidos contra a vigilância pelo próprio estado brasileiro. Segundo a empresa Facebook, o Brasil já requereu dados de 715 usuários, no primeiro semestre de 2013.
Graças a leis estritas de proteção à privacidade já vigentes na Alemanha, o movimento Email Made in Germany diz que os usuários que enviem mensagens de e-mail para outros usuários da mesma rede protegida podem ter certeza de que nem o governo dos EUA nem o governo alemão conseguirão espioná-los. O usuário vê um sinal de “protegido” em verde brilhante, ao lado de mensagens enviadas a outros assinantes do sistema protegido. E veem um sinal em cor cinza, ao lado de mensagens recebidas de outros provedores. Significa que os alemães podem garantir o respeito à privacidade só dos e-mails de usuários em território alemão.
E até algumas das empresas que procuram lucrar com o medo da invasão de privacidade pelos espiões norte-americanos já reconhecem que agências oficiais, em outros países, já estão fazendo o possível para ‘copiar’ as capacidades de Washington.
“No longo prazo, não haverá diferença alguma entre os espiões norte-americanos, alemães, franceses ou britânicos” – diz Roberto Valerio, cuja empresa alemã de armazenamento em nuvem, a CloudSafe GmbH, já registrou aumento de 25% em suas vendas, desde as primeiras revelações sobre a espionagem norte-americana.
“Até o fim do dia, alguma agência de espionagem, de algum governo, conseguirá espionar você” – diz ele.
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Ao ver esta suposta corrida pela proteção dos dados, não posso deixar de imaginar se não foi proposital este vazamento de informações, para justificar uma maior regulamentação da internet. Se não foi proposital, certamente irão utilizar este escândalo como pretexto para impor ainda mais controle e regulamentação. Vamos aguardar os próximos capítulos desta novela...
Fontes:
Wall Street Journal: NSA Internet Spying Sparks Race to Create Offshore Havens for Data Privacy
Tradução Vila Vudu
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