Mas outro fator importante é a arrogância do ‘ocidente’. EUA, Grã-Bretanha e França ainda agem como potências hegemônicas, cuja arrogância as faz cegas ao próprio comportamento injustificável de duplifalar, dois pesos e duas medidas e deslavada hipocrisia, que as impede de tratar o Irã com o devido respeito.
Sem esse ingrediente básico de mútuo respeito, não há negociação que frutifique plenamente.
Dessa vez, pode-se dizer que a arrogância dos franceses foi a mais saliente. Três dias antes da abertura da 3ª rodada de negociações do grupo P5+1 em Genebra, o presidente francês François Hollande visitou Israel em demonstração de servilismo patético.
Na véspera das super sensíveis conversações em Genebra, a retórica teatral de Hollande sobre uma sua “posição firme de apoio a Israel contra um Irã armado com bombas atômicas” foi como ‘palavra-de-ordem’ pró desordem e gesto repugnante para minar até a confiabilidade de seus próprios negociadores.
Além disso, o presidente francês exibiu a arrogância contraproducente que caracteriza em geral a atitude do ‘ocidente’ em relação ao Irã. Essa mentalidade hegemonista está na raiz do atual impasse político e da imposição continuada de sanções econômicas não éticas contra o povo do Irã.
Por que a França teria ‘licença’ para manter cerca de 60 usinas nucleares em operação em seu território, que geram 80% da energia total de que o país precisa? Por que a França teria ‘licença’ para controlar todas as etapas e todos os aspectos do ciclo do combustível nuclear, inclusive enriquecimento de urânio, sem limites de concentração? Por que a França teria ‘licença’ para manter arsenal de mais de 500 ogivas atômicas? Claro: porque, quando o Irã afirma seu pleno direito a desenvolver tecnologia atômica para finalidades pacíficas, a França e outras potências ‘ocidentais’ sempre levantam as objeções mais irracionais [que servem para alimentar os discursos pervertidos da imprensa-empresa e de seus ‘especialistas’ e jornalistas, em todo o mundo].
Esse tipo de pensamento – que a França exibiu há pouco, mas que está ativo também em outras potências ‘ocidentais’ – é o cúmulo do mais arrogante duplipensar. E, para que as conversações do P5+1 avancem, é indispensável modificar essa atitude e esse pensamento arrogantes.
Essa espantosa e inadmissível arrogância ‘ocidental’ revelou-se mais uma vez na inaceitável afirmação do presidente francês, falando ao parlamento israelense de que seu país opõe-se à proliferação de armas atômicas.
Como é possível que um presidente de nação ‘ocidental’ diga tal absurdo, sem que o ridículo do que diz seja exposto e o autor obrigado a retratar-se? Não há quem não saiba – é fato histórico! – que a França teve papel crucial na proliferação ilegal de armas atômicas no Oriente Médio nos anos 50 e 60 quando construiu e armou os arsenais atômicos de Israel.
Washington e Londres partilham também a mesma culpa, por criarem e alimentarem esse criminoso duplifalar sobre as armas atômicas no Oriente Médio.
Incontáveis visitas de supervisão, investigações e relatórios feitos pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) provam e comprovam o legítimo direito do Irã de manter seu programa nuclear para finalidades civis. O governo iraniano repete há muito tempo, que seu programa tem finalidades exclusivamente civis; essa semana mais uma vez, foi o que disse o Líder Supremo da Revolução Islâmica, o aiatolá Seyyed Ali Khamenei.
Ainda assim, as potências ‘ocidentais’ continuam a impedir qualquer progresso na direção de um acordo. Fazem-no não reconhecer o direito legal fundamental do Irã de enriquecer com urânio, o mesmo direito que têm todos os países signatários do Tratado de Não Proliferação; e ao continuar a distribuir invencionices e mentiras sobre os planos nucleares do Irã.
Essa atitude das potências ‘ocidentais’ é arrogante e insultuosa, e ofende a integridade do Irã e de seus governantes; mas essa arrogância é hegemônica e é ela quem bloqueia, de forma irracional e ilegal, qualquer boa solução para a disputa.
As opiniões e preconceitos ‘ocidentais’ têm simplesmente ‘carta branca’, uma espécie de salvo conduto para continuar a bloquear o que sem esse ‘alvará’, seria simples reconhecimento de direitos inalienáveis do Irã.
As palavras de Hollande essa semana [e do presidente Obama, ontem [1] são prova disso. Mas há outra ilustração da arrogância do ‘ocidente’, e que mostra bem o quando é profundo e problemático esse modo de pensar.
Num debate televisionado no início dessa semana, exibido pela Press TV, entre o professor iraniano Mohammad Marandi e o comentarista norte-americano Lawrence Korb, viu-se bem o quanto é atrasado e preconceituoso o modo de pensar ‘ocidental’. Um dos aspectos mais escandalosos disso é que parece que o Sr. Korb é tido como ‘progressista’, no establishment de Washington e é favorável a uma reaproximação diplomática com o Irã e a um acordo nas conversações do P5+1 com o Irã.
Korb começou por tentar fazer crer que os ‘dois lados’ cometeram erros equivalentes. Citou o cerco da embaixada dos EUA em Teerã há 34 anos, como exemplo das transgressões iranianas.
O Prof. Marandi muito corretamente, logo respondeu que não havia comparação razoável possível entre os “erros” do Irã e os erros dos EUA. Os crimes cometidos pelos EUA contra o povo do Irã são absolutamente incomparáveis e sem nada que os justifique. Incluem um golpe de estado insuflado e apoiado pela CIA, com a invenção de um governo ‘do Xá’ e a criação de um estado policial, agentes de uma violência que o Irã nunca antes conhecera e que se manteve até 1979; a derrubada criminosa de um avião comercial iraniano, com centenas de mortes; a guerra do Iraque contra o Irã fomentada e financiada pelos EUA de 1980-88; e o uso criminoso de armas químicas com assessoramento de norte-americanos, contra civis iranianos. E isso ainda sem falar das sanções econômicas criminosas que castigam crianças doentes e pacientes terminais de câncer no Irã.
Em todos esses crimes cometidos contra a nação iraniana, os EUA contaram com apoio direto de Grã-Bretanha e França.
O que se vê é que os norte-americanos, inclusive algumas vozes supostamente ‘progressistas’, apagaram de seus discursos a escala do horror que os EUA infligiram ao Irã (e a outras nações). Essa cegueira seletiva é efeito da corrupção que a arrogância produz no cérebro do establishment em Washington, Londres e Paris, e de boa parcela dos respectivos cidadãos.
Os EUA que tratem de ouvir mais e falar menos. Que tratem de se autoexaminar com seriedade e dignidade, em vez de tanto pontificarem.
Até que se erradique essa arrogância criminosa [amplificada pela imprensa-empresa para o mundo], todas as negociações com essas potências ‘ocidentais’ serão frustrantes, quando não forem completamente inúteis.
[1] 24/11/2013, Globo, G1: “Obama, em uma aparência de fim de noite na Casa Branca, disse que se o Irã não cumprir os seus compromissos durante um período de seis meses, os Estados Unidos ‘iriam desligar’ (sic) o alívio das sanções e "aumentar a pressão”. A redação miserável é trabalhinho dos jornalistas da Rede Globo. A matéria está em http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/11/obama-discursa-sobre-acordo-nuclear-iraniano-nos-eua.html [NTs].
P5+1 e Irã assinam acordo nuclear histórico
A Chefe de Relações Exteriores da União Eupopeia, Catherine Ashton (3a.E) entrega o Acordo Nuclear durante cerimônia ao lado (da esquerda para a direita da foto) do Secretário de RE britânico, William Hague; do Ministro alemão de RE, Guido Westerwelle; do Minstro de RE do Irã, Mohammad Javad Zarif; do Ministro de RE da China, Wang Yi, do Secretário de Estado dos EUA, John Kerry; do Ministro de RE da Rússia, Sergei Lavrov e do Ministro de RE da França, Laurent Fabius; na sede das Nações Unidas em Genebra
Nos termos do acordo assinado, Teerã terá acesso a $4,2 bilhões dos seus fundos congelados pelo ocidente, como parte das sanções impostas até agora ao Irã [O Globo, no Brasil, noticia o mesmo fato, nos seguintes termos: “O Irã terá acesso a US$ 4,2 bilhões em divisas, como parte de um acordo pelo qual ele irá travar o seu programa nuclear em troca do alívio de sanções, disse um diplomata ocidental.” [Como se lê no ‘jornalismo’ marrom, de O Globo]. Em troca, o Irã aceitou suspender o enriquecimento de urânio a 20%, por seis meses, mas continuará a enriquecer urânio a 5%. (...)
O ministro de relações exteriores do Irã, Javad Zarif, disse que o acordo foi “um grande sucesso” e disse que Teerã expandirá a colaboração com a Agência Internacional de energia atômica.
O presidente do Irã Hassan Rouhani anunciou que o acordo firmado em Genebra mostra que as demais potências mundiais reconheceram “os direitos nucleares do Irã” [Não há NENHUMA notícia sobre isso, em NENHUM dos jornais-empresas de jornalismo marrom do Grupo GAFE – Globo, Abril, FSP, Estadão e nos demais veículos-empresas de macaqueação das agências internacionais, que as macaqueiam em língua portuguesa]. (...)
O Irã e a Rússia festejaram que “o acordo reconhece, afinal, o direito de Teerã a enriquecer urânio”. [Globo News, falando de Telavive, acha que não. NÃO VEJA, mas está publicado para quem duvide, em http://goo.gl/62fp7N].
“Esse acordo significa que todos reconhecemos o direito do Irã ao uso pacífico da energia nuclear, inclusive o direito de enriquecer urânio. Todos entendemos também que o programa nuclear iraniano permanecerá sob estrito controle da Agência Internacional de Energia Atômica” – disse o ministro russo de Relações Internacionais Sergey Lavrov aos jornalistas. Como você NÃO LERÁ nos jornais-empresa do Grupo Gafe, nem ouvirá JAMAIS pela Globo News.
Um acordo temporário com o Irã
Há agora um acordo temporário entre os EUA (e coadjuvantes) e o Irã, sobre redução parcial nas sanções ilegais que os EUA mantêm contra o Irã, em troca de redução parcial nas atividades legais da indústria nuclear legal do Irã.
Desde março estão em curso negociações secretas[1] entre o governo de Obama e o Irã, para chegar ao que chegaram. Mas há dúvidas sobre se o acordo conseguirá realmente mudar alguma coisa. O ‘relato de fatos’ que a Casa Branca distribuiu[2] sobre o acordo é, como é típico, tendencioso.
Algumas ideias preliminares, para manter na cabeça:
– O acordo é válido por seis meses e é perfeitamente possível que depois não haja acordo permanente. O mais provável é que recomecem as animosidades de praxe com novas ameaças de guerra, daqui a seis meses. Há muita gente que não quer acordo permanente e farão de tudo para impedir que haja. Daqui a seis meses, quando os EUA pararem de cumprir o que se comprometeram a cumprir, culparão o Irã por ‘quebra de acordo’. Essa parte, no ‘relato de fatos’ da Casa Branca, é a parte decisiva:
"O grupo P5+1 compromete-se, especificamente a:
– Não impor novas sanções relacionadas à questão nuclear nos próximos seis meses se o Irã cumprir os compromissos desse acordo, nos limites autorizados pelos sistemas políticos dos países.”
Traduzindo: o Congresso dos EUA tem meios para aumentar as sanções e quebrar qualquer acordo e isso, provavelmente, é o que fará.
– Acordo muito melhor, do ponto de vista dos EUA, poderia já ter sido assinado em 2003, 2005 e 2007.
– Por mais que a Casa Branca [e os ‘especialistas’ e jornalistas da rede Globo] diga[3] que o acordo não reconhece “o direito do Irã a enriquecer [urânio]”, a verdade é que sim, o acordo reconhece esse direito. Vale lembrar também o que Jonh Kerry pensava e dizia sobre o assunto, há quatro anos:[4]
John Kerry, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado e indicado pelos Democratas à presidência em 2004, disse ao Financial Times em entrevista, que o Irã tem direito de enriquecer urânio – processo que pode produzir combustível nuclear e material para armas. Os EUA e as outras potências mundiais tem repetidamente exigido que Teerã suspenda o enriquecimento (...) “O argumento do governo Bush [contra o enriquecimento] foi ridículo (...), porque parecia irracional às pessoas,” disse o senador Kerry, citando o fato de que o Irã é signatário do Tratado de Não Proliferação. “[Bush fez] Diplomacia bombástica. Desperdiçou energias. E, pode-se dizer, endureceu a negociação” – acrescentou. “O Irã sempre teve direito à energia nuclear para finalidades pacíficas, e a enriquecer urânio para essa finalidade.”
– O acordo aconteceu agora e alguma coisa que aconteça depois do acordo de hoje só acontecerá, se acontecer, porque os EUA precisam mudar o foco de sua política externa, do Oriente Médio, para a Ásia. Por falta de recursos e de capacidades, os EUA só conseguirão fazer isso, depois de conseguirem, seja como for, estabelecer algum equilíbrio e alguma estabilidade no Oriente Médio.
Todas as questões em que os EUA estão metidos no Oriente Médio são de alguma forma, influenciadas pelo Irã. Essa é uma evidência que já ninguém pode ignorar. O movimento de “pivô na direção da Ásia”, de que os EUA precisam muito para fazer frente à China exige antes, um movimento de “pivô na direção do Irã.
– Deduz-se daí, diretamente, que há uma chance de que esse acordo leve a algum outro acordo que resolva a situação na Síria.
[1] http://backchannel.al-monitor.com/index.php/2013/11/7115/exclusive-burns-led-secret-us-back-channel-to-iran/ e http://m.apnews.com/ap/db_289563/contentdetail.htm?contentguid=t6SMOF8T
[2] http://iipdigital.usembassy.gov/st/english/texttrans/2013/11/20131124287798.html#axzz2laFrHWZ1
[3] https://twitter.com/WideAsleepNima/status/404473661412745216
[4] http://friday-lunch-club.blogspot.de/2009/06/john-kerry-iran-had-right-to-uranium.html
Traduzido por Vila Vudu
Revisado por Jahaísa e Admin
Fontes:
Press TV: West arrogance blocks P5+1 progress with Iran
RT: P5+1 and Iran agree landmark nuclear deal at Geneva talks
Moon of Alabama: A Temporary Deal With Iran
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